domingo, 20 de fevereiro de 2011

Abandono

Eu não sei dizer o que me torna assim. Eu não sei se eu posso culpar o meu passado. Eu não sei se brincar sozinho num berço é sinal de que há algo errado. Eu estive o tempo todo lá, em algum lugar que você nunca teve acesso.
Eu cresci imaginando reinos que pudessem ser diferentes, criaturas que não fossem humanas. A minha infância não podia ser errada, eu perdi as contas de quantas aventuras eu jurei ter vivenciado, quantas casas na árvore eu construí...
Toda aquela doçura e inocência, sem levar a sério a relidade que me cercava. Eram todos juntos enquanto a minha avó respirava, foi nos anos dois mil que eu comecei a ver o meu mundo se transformando em trevas.
E o meu quarto passou a ser o meu mundo onde eu passava horas a fio desenhando, criando e escrevendo. Era horrível estar em minha própria casa, eu preferia estar em qualquer lugar. Me lembro bem de quantas vezes eu dormi na casa de uma vizinha e antes de mais nada, uma grande amiga. A Jô.
Ela me acolhia bem e nos divertíamos, conversávamos...A Sabrina, filha da Jô, tinha um namorado e ele tinha ciúmes de mim, as vezes eu tinha que sair de lá, ele não podia me ver sozinho com a Sabrina dentro de casa.
Então pela manhã eu saía e ia pra qualquer lugar, menos pra casa, eu andava numa mata próxima, um bosque de mangueiras, eu subia nas árvores, colhia mangas, mordia elas e jogava fora e então eu passava alguns minutos nas árvores, sozinho...
Uma vez em casa, eu me dirigia diretamente pro meu quarto e lá eu permanecia por horas a fio, essa era minha rotina quando eu estava de férias. Aos poucos eu fui me debandeando pro lado triste da coisa, foi quando despertou em mim o interesse por coisas menos alegres. Eu via os meus personagens mudando gradativamente, eu deixei de desenhar heróis e heroínas, aos poucos eu só desenhava criaturas da noite e olhos tristes.
E alguém notava? Acho que não. A medida que a adolescência avançava e o meu lar se tornava mais hostil, eu notava que eu estava fadado a me trancar no meu próprio mundo. Um dia, o meu irmão teve a brilhante idéia de fugir de casa, sim, eu considero como uma fuga.
Minha avó, a minha guardiã, patrocionou a gente e então fomos eu e ele embora. E minha mãe? Ela decidiu ficar com o meu padastro e minha pequena irmã. Quando eu páro para refletir sobre, eu noto o quão abandonados nós fomos. O meu irmão nutre um enorme recentimento pela minha mãe, mas eu não.
Eu tento entendê-la, e evito ao máximo contar a verdade às pessoas. Eu apenas conto que saímos de casa porque eu não me dava bem com o meu padastro, mas essa era a verdade. Não aceito que as pessoas deleguem à minha mãe uma imagem nefasta. Eu tinha só 15 anos de idade. Hoje estou num outro quarto, mas é o meu mesmo mundo de seis anos atrás. Aqui estou a salvo e eu confesso que eu gostaria de ficar aqui quando as coisas ficarem difíceis.
Eu já rodei alguns lares e sei que tudo pode mudar da noite pro dia. Tudo tem um porquê, eu entendo o que faz de mim tão sensível ao que ninguém consegue ver. Eu vejo nos olhos, eu sinto no vento.
Essas palavras são muito preciosas, e estão expostas num mundo onde todos são livres pra entrar, sair e permanecer. Agora, eu tenho 21 anos de idade, sou um adulto e carrego nas costas os fantasmas daqueles anos que se passaram.
Eu sinto uma enorme falta, como se algo de muita valia me tivesse sido roubado. Eu sonho com o seu rosto de noite, eu sonho que você se vai, mesmo que eu grite o seu nome, você apenas vai. Mas quem é você? Por que você não se importa? Talvez exista algo errado em mim. Por favor, segure a minha mão...

6 comentários:

Miri Fernandes disse...

Esperava ansiosa por mais um post seu, querido. Sua escrita nos prende e dá vontade de não parar de ler. Também ansiosa, espero pelo seu livro nas estantes e principalmente na minha estante. Rs.
Tudo muito bom!

- Kiss.

Garoto Lunático disse...

Cada dia mais é cativante voltar aqui... eu gosto dos seus post, mesmo com todo essa atmosfera obscura e pesada, eu gosto? eu amo na verdade. Sinceramente queria que vc escrevesse que finalmente está liberto de todos esses fantasmas e tal, mas agente nunca sabe quando está salvo =/ - é que me lembro de uma parte triste, mórbida da minha vida, e bastou uma pequena vontade de mudar, de lá no fundo ver a beleza do mundo que eu me negava enxergar.

Stephanie C. de Mello disse...

Seu livro aberto é fascinante, porque acima de tudo nos mostra o quanto você persiste em superar dificuldades, e problemas que enfrenta. Ás vezes meio desanimado, mas sempre querendo seguir em frente, construir sua história.
Eu, particularmente, mesmo sem te conhecer muito, espero de coração que esses fantasmas te deixem. E entendo o que é não se dar bem com padastros e enfrentar uns problemas familiares.

Que seus sonhos sejam cada vez mais tranquilos e que te façam viajar por um mundo seguro.

Não desista.

Stephanie C. de Mello disse...

Sim todos deveriam ao menos tentar ser sinceros.
Obrigada pela visita lá.

E posso ser sincera?
Sua foto de quando você era pequenino é linda =D

Camila Alves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Camila Alves disse...

Eu acho que somos um pouco de tudo o que já vivemos um dia. Fantasmas sempre vão estar por perto, tentando assustar, tirar o foco. Eu só quero acreditar que isso tudo serve de impulso para conseguirmos concretizar todos os pequenos esboços de sonhos.
O passado, muitas vezes, parece que nos prende. Mas se você olhar novamente, é ele quem nos dá forças para mudar.


Gostei do blog!
Beijos, Camila.